FOLHA -Qual é seu maior orgulho?
JOÃO HAVELANGE - Dar ao Brasila Copa de 58, que a era o quemais o povo do Brasil desejava.Perdemos em 30, 34, 38, 50 e54. Ganhamos em 58 e 62, perdiem 66, não me ausentei, e ganhamos a de 70. Em 74, fui eleito [Fifa]. Era demais ser eleito eganhar a Copa, cortaram-metodo o capim embaixo dos pés.
FOLHA - O Brasil foi prejudicado na Copa-74? Houve armação na Copa?
HAVELANGE - Em 66, o Brasil tinha praticamente o mesmo time de 62. Quem era o presidente da Fifa? Sir Stanley Rous, inglês. Onde era a Copa? Inglaterra. Nos meus três jogos, comPortugal, Hungria e Bulgária,tinham 3 árbitros e 6 bandeirinhas. Sete eram ingleses e doisalemães. Acha que foi para quê?Acabar com meu time. Acabaram. Pelé foi machucado. Emuma homenagem depois, estava Stanley Rous. Me estendeu amão e não o cumprimentei. Eledisse "o que você tem?". Eu disse "faça um exame de consciência, você tem a resposta". A Alemanha jogou com o Uruguai, eo árbitro era inglês. A Argentina jogou com a Inglaterra, e oárbitro era alemão. Qual foi a final? Inglaterra e Alemanha.Por que só tinha árbitro alemãoe inglês nos meus jogos? Em 74,na Alemanha, também. O senhor não acha estranho? E tepergunto: a Inglaterra voltou aser campeã ou ganhou algumacoisa? Não, então pronto.
FOLHA - O senhor afirma mesmo então que houve interferências a favor dos times da casa em 1966 e 74?
HAVELANGE -Exatamente.
FOLHA -Nos títulos que perdeu...
HAVELANGE -Fui à Alemanha[1974], acabava de ser eleito[Fifa], faço um jogo Holanda xBrasil. A Holanda vinha comproblema de petróleo, sem petróleo porque tinha subidomuito, e andavam de bicicleta.Nunca me esqueço. Quem tinha ido regularizar essa situação foi o [Henry] Kissinger [diplomata americano de grandeatuação nos anos 60 e 70]. Elechegou ao estádio para ver Brasil x Holanda, e o Stanley Rousme botou o [árbitro Kurt]Tschenscher, da Alemanha,que já tinha 50 anos e apitou oúltimo jogo da carreira. E mejogou para córner. Perdi de 2 a0. Suspenderam meu central[Luis Pereira, expulso contra aHolanda] para a disputa de terceiro com a Polônia. Puseramum árbitro [Aurelio Angonese,da Itália], um jogador meu pegou a bola no meio, foi agarradona camisa quando entrava naárea para fazer o gol. Apitou, feza barreira e perdi de 1 a 0.
FOLHA - E em 1978, a Copa na Argentina do presidente Videla? Houve armação nesse Mundial?
HAVELANGE -Nada disso. Se você veio tratar de política, nãoaceito. Quando cheguei à Fifa,quem decidiu que a Copa ia serna Argentina não fui eu nem oComitê Executivo. Foi o Congresso [da Fifa], e você não pode mudar uma decisão do Congresso. Pode falar o que quiser.Eu só apertei o governo anterior, que era da senhora do Perón [Isabelita]. Fui a ela, depoisela caiu. Faltavam dois anos para a Copa. Fui ver o presidenteVidela, não o conhecia. Ele medisse: "Senhor Havelange, nãovou lhe dar a melhor Copa, masvou lhe dar uma das melhores,pode estar certo". E fez tudo.
FOLHA - O senhor era conhecido de Paulo Paranaguá [cujo filho homônimo acabou preso na Argentina como um militante de esquerda]?
HAVELANGE - Sim, muito, ele
FOLHA - E aí negociou a libertação do Paulo [como diz Pablo Llonto, autor do livro "A Vergonha de Todos", sobre a Copa de 1978]?
HAVELANGE -Cheguei e pedi audiência com o presidente Videla. Expliquei a ele e disse: "Se osenhor acha que estou me intrometendo, ponha-me parafora, não me atenda, e eu o respeitarei da mesma maneira".Chamou o general Viola por telefone e disse: "O doutor Havelange vai aí lhe falar e veja tudoo que pode fazer". Saí do gabinete e fui ao general Viola, décimo andar. O general me abre aporta do elevador. Entrei e faleido que se tratava. Chamou o coronel. "Verifica o caso desse rapaz e me ponha a par." E assimo fez. Era novembro, e disse aoAntônio Leite o que tinha feito.A Glorinha pensava que o filhojá estava... No princípio de janeiro, saí de Concorde para Paris. Quando ia fechar a porta doavião, entrou um sujeito da Polícia Federal e me disse: "Doutor Havelange, acabaram de telefonar de Buenos Aires. Mandaram avisar que a pessoa que osenhor pediu já está em BuenosAires e amanhã já estará em umavião da Air France, como o senhor determinou, a destino deParis. Esse rapaz vive hoje emParis, é o filho de Paranaguá.
FOLHA -Não foi estranha a goleada de 6 a 0 da Argentina em 1978?
HAVELANGE -Não tenho nada aver, mas dias antes o Brasil jogou com o Peru. Fui ao vestiário e disse que precisava ganharde muito para ter saldo de gols.Ficaram o tempo passando abola: 3 a 0. E não se esqueça: otime do Peru estava na terceiraCopa, todos tinham mais de 30anos. Não faziam tecnicamenteum jogo bonito, e eficiência física nenhuma. Quando o Brasiljogou com a Argentina, fui aovestiário e disse que precisávamos ganhar o jogo para sermoscampeões. Disseram-me queiam jogar pelo empate. Lembre-se de que o Rivellino nãoentrou em campo. Empatamos.O Peru jogou e, se o senhor vir ofilme do jogo, com dez minutosbotou uma na trave. Se entra,tinha ganho de 10 a 0. O time doPeru não tinha perna para jogar. Todo mundo agora só falaem política, nisso e naquilo, enão é nada disso. A Argentinatinha um bom time, ganhou daHolanda, e vou lhe dizer mais: aHolanda se portou muito malnaquela Copa. Era a minha primeira na presidência, e a Fifafazia um jantar onde entregavaprêmios aos quatro times finalistas. Houve o banquete e, às21h, cheguei com minha senhora. O presidente já estava lá,22h, 22h30, e nada da Holandachegar. Estavam lá o time doBrasil, da Itália, da Argentina, ea Holanda chegou às 23h, o time de macacão. Disse ao presidente: "Se o senhor quiser, nãohaverá jantar, o senhor pode selevantar que sairei com a minha senhora". Ele: "Não, eu espero até o final". Nunca maishouve jantar na minha administração. Time que ganhavasubia na tribuna, eu dava a medalha e ia embora. Não vou acampo, você nunca sabe a reação do público. Na tribuna, ninguém mexe com você.
FOLHA - O senhor está bastante envolvido na campanha do Rio para ter a Olimpíada-2016, não?
HAVELANGE -Não estou envolvido, é que sou membro doCOI, decano. Estou lá por eleição há 45 anos. E naturalmenteme dou com a maioria dosmembros, são 115. Mudou muita gente, mas ainda tenho umapenetração e espero trabalharpelo Rio, que pode trazer os Jogos para o Brasil. Estarei feliz seisso acontecer e, se Deus meder a vida no dia dos Jogos, terei exatamente cem anos.
FOLHA - Acha que sua influência pesará a favor do Rio?
HAVELANGE -É mais difícil. Primeiro, tem país da Europa [Espanha/Madri], da Ásia [Japão/Tóquio] e do continente americano [EUA/Chicago]. Mandarei carta aos 115 [membros].Tenho todos os votos dos árabes, são meus amigos, da África,alguns da Ásia e da Europa. Vamos ver o que posso fazer.
FOLHA - E a Copa-2014 no Brasil? O país pode fazer uma boa Copa?
HAVELANGE -Sem dúvida, e vaifazer. O Ricardo [Teixeira, presidente do comitê organizadorda Copa-2014] vai fazer algo deformidável. Escolheu comopresidente do conselho administrador o Carlos Langoni, quefoi presidente do Banco Central, sujeito inteligente. Já temfirmas nos EUA que devem estar interessadas. Pode ter certeza de que vamos ter uma Copa excepcional. Hoje [segunda]estive com o presidente [LuizInácio Lula da Silva], e ele medisse: "Tudo o que for possível,nós vamos fazer. Vamos revertodos os aeroportos, tudo o quefor necessário para que a Copaseja um primor. E os Jogostambém, se os recebermos".
FOLHA - O que acha da administração de Blatter, seu sucessor na Fifa?
HAVELANGE - Ele deu continuidade. Como tem recursos, também fez projetos. Fez o Goal.Em todas as federações, fezuma sede e um campo. Quemnão precisava, ganhou outracoisa. E fez outras coisas fantásticas. Fiz meu presidente. O[Lennart] Johansson [ex-presidente da Uefa] não gostou. Foieleito, reeleito e será reeleitoaté 2015. Aí terá 80 anos e, senão quiser mais, disse a ele:"Difícil na vida não é chegar, ésaber sair. Tem que sair bem".
FOLHA -O que acha de a Fifa ser presidida por um ex-jogador, como Beckenbauer ou Platini?
HAVELANGE - Se for, primeirovai ser presidida pelo Ricardo[Teixeira, presidente da CBF].Depois, vai ser o Platini. Já nãoestarei vivo. Ele é excepcional,é inteligente, tive admiraçãopor esse rapaz na Copa de 98.